segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Uma parteira em Jericocoara

Jericocoara é um lugar de encontros surpreendentes...
Encontrá-la foi uma feliz coincidência. A noite, ao entrar num mercado, arrisquei perguntar se conheciam na cidade alguma parteira. "Sim, conheço, e eu sou afilhado dela!". Era noite o homem, já bastante bêbado me deixou na frente da casa recomendando: procure-a amanhã e diga-lhe que foi Titá quem lhe mandou.
No primeiro dia uma moça mais nova me atende e, cuidadosa, pede que eu volte no outro dia. Seguindo a indicação voltei, e mais tarde voltei de novo, até que pude encontrá-la pessoalmente, sentada no sofá de sua sala a costurar fuxicos retirados de um balde.
"Que é que você quer mesmo saber???", me pergunta ainda bastante desconfiada sobre minhas intenções. "Eu gostaria que a senhora me contasse umpouco de sua vida e suas histórias como parteira...". Ela desaredita, talvez não ache que suas histórias possam realmente interessar a uma moça visivelmente 'estrangeira'. "O primeiro parto eu fiz com 13 anos. Uma tia minha estava para parir, não tinha ninguém pra ajudar e meu tio não tinha um tostão pra pagar parteira. Então foiláem casa me chamar. Eu dise que não sabia fazer part não, mas me comovi com a necessidade e fui ajudar mesmo sem saber. Aí no caminho todo eu só fazia pensar e pedir pra deus me ensinar. Cheguei na casa e aí fiz o parto assim, como um pensamento. Eu nunca estudei, até hoje não sei ler nem escrever... Tudo o que eu aprendi foi assim, como um pensamento que chegou na minha cabeça dizendo assim direitinho o que é que eu tinha que fazer. Assim, antes de fazer um parto eu só faço é pensar... Fiz muito parto e nunca tive medo de fazer. Eu mepreparo, fao minhas orações. Quando eu pego um menino, quando eu olho assim uma barriga eu sei o que eu tô falando. É o pensamento que vem na minha cabeça... Minha mãe axhava muito estranho eu ser parteira. Ela teve vários filho, mas que não vingou. Aí meu pai brincanva bem assim comigo: Tu foi a que te criou, a mais feia, a mais rabugenta, e a que vingou... foi logo tu que vingou... Meu pai tinha três famílias diferentes na época. (...) Tem mulher que grita- pra quê gritá??? Não sai pela boca!!! Eu fala assim pra elas que não tem que gritá - o segredo é não gritá na primeira dor. (...) Tem gente que tem de elástico, e aí vai abrindo facinho, facinho que é uma beleza... Aí o bebe nasce e a mulher volta ao normal.(...) Quem fez meus partos fui sempre eu. Eu sentia que as dor tava começando, sentava no banquinho e aí só fazia esperar. Uma vez eu acordei e virei pra meu marido ' fulano acorda que eu tô sofrendo'. Ai fui na cozinha e senti as dor começa... Eu gritei pra ele me ajudar que a menina ía nascer - ele assustou e começou a chorar... Chorava que soluçava... Eu disse 'me dê um pano que a menina vai nascer!'. E foi assim. (...) Nada nomundo me faz medo- porque o medo só faz a gente sofrer, ser fraco. Eu não tenho medo de morrer, eu só tenho medo de deixar meus filho sofrê. Ter medo pra quê... a vida é boa demais!"

O relato não pôde ser gravado, fotografado... O relato fica assim, reescrito a partir de minhas poucas anotações, ingenuamente compartilhado, gravado com intensidade na minha memória, o corpo que em mim escutou.

2 comentários:

Projeto Exilius disse...

Os relatos mais importantes de nossa vida nunca são fotografados ou filmados, ficam na nossa memoria para serem atualizados sempre e tanto!!

beijos

Erika Cunha

Olga Torres disse...

Que lindo relato....amo essas pessoas iluminadas que fala tudo achando que não ta falando nada....Obrigada por compartilhar Paula!